sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

NEM TUDO É CULTURA!


Paulo Irineu Barreto

A afirmação de que não é possível estabelecer juízos de valor aos assuntos referentes à cultura é cada vez mais difundida nos dias atuais. Tal afirmação, no entanto, esconde muitos preconceitos e falácias. Um dos equívocos mais graves deste tipo de afirmação é a idéia de que todo comportamento dito cultural é uma manifestação espontânea e legítima do conjunto de tradições e hábitos de uma determinada sociedade. Seria um erro negar esta afirmação por completo, como também é um erro aceitá-la na sua totalidade.

Uma sociedade pode incorporar no seu caráter (ethos) uma série de comportamentos socialmente prejudiciais e até mesmo ilícitos que poderiam, facilmente, ser confundidos com expressões legítimas. É correto, por exemplo, afirmar que o carnaval tem raízes históricas e, no caso específico do Brasil, é uma fonte muito rica de traços de nossa cultura “pluriétnica” que foram incorporados a este evento ao longo de décadas. Isto, no entanto, não transforma em manifestações culturais legítimas todos os abusos cometidos e perpetuados em nome do carnaval, como, por exemplo, o “bombardeio” feito pela mídia que massifica a festa, tornando-a quase que uma necessidade para todos. Este “bombardeio” banaliza a sexualidade, estimula o consumo exagerado de bebidas alcoólicas e impossibilita a formação de um senso crítico, promovendo episódios como o ocorrido em Salvador – Bahia, no dia 29 de janeiro de 2008 (ver links abaixo), em que muitas pessoas foram pisoteadas ao tentar trocar alimentos por ingressos para os desfiles.

Que tipo de força seria capaz de convencer as pessoas a saírem de suas casas e se submeterem a uma situação dessas, se não o “ataque” que, há muito, elas sofrem daqueles que se dizem (e se sentem) representantes e detentores da cultura, os meios de comunicação de massa? E foram estes mesmos que colaboraram para que essas pessoas se tornassem incapazes de discernir sobre o que é melhor para elas. Na tentativa desesperada de obterem um pouco de prazer, encontram mais sofrimento e dor. O antídoto para este desespero é a Educação, mas esta ainda não é a prioridade maior e não conta com o mesmo marketing agressivo.

Outro exemplo é o da adaptação brasileira do reality show “Big Brother” (expressão proveniente do livro 1984, de George Orwell), apresentado pelo jornalista Pedro Bial, no qual é feita uma “glamourização” do descompromisso e do descaso. A vida de uma dúzia de pessoas “confinadas” em uma casa luxuosa transforma-se em diversão para os que estão sentados em suas poltronas nas noites “globais”. O problema do programa está tanto no seu conteúdo, pois valoriza o que há de pior: a degradação dos hábitos; quanto na sua forma, que transforma os participantes em meros meios, entre si, e para enriquecer ainda mais os cofres da Rede Globo de Televisão e dos patrocinadores, ainda que isto custe o empobrecimento intelectual dos que assistem ao programa.

Esta situação, sendo socialmente aceita, tem pretensões de ser incorporada à cultura e legitimada, o que é, no mínimo, um contra-senso! Que uma ou outra pessoa consiga reverter a sua situação particular e encontre um “lugar ao sol”, ao ser descoberto pelas câmeras, não justifica a existência do programa, pois não é um bem aquilo que beneficia o particular, em detrimento do universal. Desta forma, o Big Brother Brasil não pode ser considerado Cultura, no sentido distinto da palavra, e presta um desserviço à população, pois faz com que algo que deveria ser visto com estranheza e com ímpetos de mudança, sobretudo pelos jovens que estão formando o seu caráter, seja visto com naturalidade, passividade e auspiciosamente.

Diante de tudo isto, só nos resta uma questão: podemos considerar como manifestações legítimas de uma cultura todos estes abusos e equívocos? Eles estão no mesmo nível que a obra de Luís da Câmara Cascudo? Ou do legado de Antônio Francisco Lisboa?
Não! E nem precisava tanto, mas estão muito aquém.

PAULO IRINEU BARRETO

Doutorando em Geografia Humana e Cultural no Instituto de Geografia e Mestre em Filosofia - Política e Social, ambos na UFU. É autor de “Ensaio Sobre The Dark Side of the Moon e a Filosofia: uma interpretação filosófica da obra-prima do Pink Floyd”.

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