A dança da quadrilha surgiu no interior rural e voltou para ele. Mas, agora, com uma roupagem estilizada para sobreviver e ser admirada pela mídia.
Este artigo é de autoria de César Vicente e foi publicado na edição nº 930 de junho/2013, da Revista Família Cristã da Editora Paulinas, sendo portanto bem atual para o que ora debatemos. Uma descaracterização brutal contra a originalidade de uma dança que ocorre de norte a sul do Brasil e que hoje tem sido alvo de inúmeras reclamações e debates sobre a autenticidade que está sendo esquecida, em nome do poder midiático da cultura popular espetacularizada.
As manifestações populares (festas,
danças, culinária, arte, artesanato, etc) já não
pertencem apenas aos seus protagonistas.
As culturas tradicionais no mundo globalizado
são também do interesse dos grupos
midiáticos, de turismo, de entretenimento,
das empresas de bebidas, de comidas e de
tantas outras organizações socais, culturais e
econômicas. (Osvaldo Meira Trigueiro)
Em três partes tentarei explicar o processo pelo qual essa dança popular passou até chegar aonde chegou, nos dias atuais.
"Olha a chuva! É mentira. Olha a cobra! Já mataram..."
Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu tais marcações de dança das quadrilhas, obrigatórias nas festas populares, que, sempre em junho, fazem do Brasil um imenso arraial. Em escolas, comunidades e clubes, entre fogueiras, pratos de comidas típicas e bandeirinhas coloridas estendidas por varais, os pares se compõem e, caracterizados por matutos ou caipiras estereotipados, recontam uma história que remonta à Inglaterra medieval.
História. Foi durante a Guerra dos Cem Anos (de 1337 a 1453) entre Inglaterra e França que esta última incorporou alguns costumes culturais do então inimigo, como uma dança típica do interior rural inglês cujo bailado era executado por grupos de quatro pares, a quadrille. Nos salões franceses, a novidade conquistou a nobreza e se espalhou pro toda a Europa. Daí - a bordo da corte real portuguesa, em 1822 - chegar ao Brasil foi um pulo. As quadrilhas se tornaram a dança oficial dos saraus do Rio de Janeiro e logo se vulgarizaram, caindo em cheio no agrado popular nacional.
Sucessivos processos de aculturação fizeram a dança ser praticada ao ar livre e ser assimilada pelo calendário da Igreja Católica em festas a louvor de São João, Santo Antônio e São Pedro, celebrados em junho, especialmente nos meios rurais, o que explica a indumentária campesina de seus participantes, inspirada na cultura caipira ou sertaneja. As finas sedas dos salões da nobreza, por exemplo, deram lugar à chita, um tecido bem mais barato e acessível. E, como na roça, o casamento é sempre motivo de longos festejos, as quadrilhas adotaram a forma de uma união fictícia, o que não foge demais das primitivas festas de São João na Europa, que já celebravam aspirações matrimoniais. É claro que, como em todos os festejos populares, nada é para ser levado a sério.
No enredo desses casamentos, a noiva - juntamente com o noivo são as figuras principais de hoje - está indisfarçavalmente grávida, e o noivo se apresenta ao padre espontaneamente, ou seja, após ser dissuadido por um aparato policial, delegado incluído, fortemente armado e subvencionado pelo futuro sogro, geralmente um coronel ofendido. Não tem mais rei nem rainha, nem príncipe nem princesa.
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