Desconhecidos ou de arte popular, artistas “pequenos” disputam com grandes nomes da cultura o investimento de empresas. Eles reclamam da falta de um mecanismo legal que impeça uma concorrência desleal.
Lei Rouanet instituiu incentivos fiscais para empresas que investirem em projetos artísticos
A
batalha diária dos artistas para conseguir espaço não é algo novo no
Brasil, tampouco a sua reconhecida qualidade. Mesmo com a ajuda do
governo, no entanto, muitos ainda patinam no meio da burocracia para
conseguir viver da arte.
A
Lei 8.313, conhecida como Lei Rouanet, que instituiu incentivos fiscais
para empresas que investirem em projetos artísticos, funciona melhor
com nomes consagrados.
Conforme
a lei, a empresa que patrocinar o projeto – aprovado previamente pelo
Ministério da Cultura (MinC) – de um artista pode deduzir o valor
investido do Imposto de Renda, até o limite de 4%.
Muitos
artistas procuram financiamento com base na lei e conseguem a aprovação
de seus projetos. A etapa mais difícil, no entanto, está na captação
dos recursos.
Artistas
desconhecidos e grupos de arte popular disputam com nomes já
consagrados o investimento das empresas e reclamam da falta de um
mecanismo legal que impeça uma concorrência considerada por eles
desleal.
A crítica dos artistas não é nova. Houve um debate sobre o tema no setor há cerca de cinco anos, mas nada mudou.
O
músico brasiliense Alex Lima passou o ano de 2014 planejando a gravação
de um CD e de um videoclipe. Pagou R$ 2 mil pelos serviços de uma
empresa especializada apenas na preparação de projetos e conseguiu a
aprovação pela Lei Rouanet.
“Foi
nesse ponto que eu esbarrei em outra brecha negativa do sistema. As
empresas que desenvolvem, aprovam e depois captam os recursos são mais
caras ainda. As mais baratas apenas dão entrada e devolvem o projeto
aprovado, e o artista se vira com a captação”, explicou.
Todos
os projetos, no entanto, têm um prazo para que se capte o recurso. O
prazo de Lima está próximo de se esgotar, faltando menos de dois meses.
Coordenador
de um grupo de percussão em Minas Gerais, o músico Daniel Melão
procurou na Lei Rouanet uma forma de financiar seu projeto, no qual
ensina maracatu gratuitamente em Belo Horizonte. Mesmo pedindo uma verba
considerada pequena, cerca de R$ 70 mil, não conseguiu o dinheiro.
“Cheguei
à conclusão de que, para esse tipo de projeto, pela Lei Rouanet, eu
estava tentando no lugar errado. Não é de interesse dessas grandes
empresas, potenciais patrocinadoras, vincular o nome a uma proposta que
não é um megaprojeto”, considerou Melão.
Envolvido
em projetos pessoais e de instituições culturais, ele decidiu não
tentar viabilizar mais projetos por meio da Lei Rouanet. “No formato
atual, é impossível o artista fazer essa correria burocrática para
conseguir verba e ser artista ao mesmo tempo”, disse.
Melão
pondera: “Eu estudo todos os dias, dou aulas todos os dias, e se eu
tiver que parar para correr atrás de burocracia e bater à porta de
empresas, a última coisa que vou ser é um artista. Vou estagnar a minha
arte e virar um gestor de projeto cultural”.
Ricardo
Trento é presidente da organização não governamental paranaense
Unicultura, que auxilia artistas na captação de recursos. Para ele, o
que precisa mudar não é a lei, mas sim a forma de os artistas venderem
seus projetos às empresas. Trento acredita que o artista precisa encarar
seu projeto cultural como uma pequena empresa, para que possa obter os
recursos e se preocupar apenas com sua arte.
“Eu
não posso chegar lá com cara de que carrego o piano, apesar de carregar
o piano. A gente trabalha com artistas desconhecidos e consegue fazer
captação de recursos porque apresentamos para o patrocinador um projeto
que tenha aderência, que fale a mesma linguagem que a empresa quer
ouvir”.
Trento
acredita que o artista não pode tratar a empresa como alguém que vá
fazer um favor. Conseguir o recurso passa pela apresentação de um
projeto que também seja interessante para a empresa. Ele reconhece, no
entanto, que muitas empresas ainda não estão preparadas para analisar
projetos e decidir em quem investir.
Pode
faltar interesse das empresas ou até mesmo projetos que atraiam o
interesse do mercado, mas o que não há é falta de projetos autorizados. O
problema é concretizá-los.
De
acordo com levantamento divulgado anualmente pela Secretaria de Fomento
e Incentivo à Cultura, do MinC, mesmo os artistas que chegam a
conseguir algum recurso, captam menos do que o valor autorizado pelo
ministério.
Durante
o ano de 2013, os projetos que conseguiram captação de verbas tinham
autorização para chegar a R$ 4,3 bilhões. Desse valor, porém, apenas R$
1,2 bilhão chegou a esses artistas.
Procurado
pela reportagem, o MinC informou à Agência Brasil que existe um projeto
de lei em tramitação no Congresso Nacional para reformar a Lei Rouanet,
mas não explicou como as propostas do novo texto podem resolver a
queixa dos jovens artistas.
Fonte:
Brasília (DF), 11 de Novembro de 2014
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